A Caridade em Mudança
Nós, espíritas, navegamos na mesma corrente de pensamento que
acredita no conhecimento espírita e em sua força para transformar o homem.
Muitas vezes ficamos ansiosos devido à lentidão com que ocorrem os bons
acontecimentos ou temerosos pela rapidez com que se propagam os ruins. É
natural.
A transmissão do conhecimento espírita e até as suas práticas precisam
adequar-se à sociedade contemporânea. Sem essa adequação, nossa comunicação
estará contaminada com obstáculos que afastam o entendimento e o interesse das
pessoas. Isto é um fato. E, com a comunicação abalada, os resultados de nossas
ações deixarão a desejar. O difícil é identificar o que se deve ajustar sem
comprometer a integridade do conhecimento espírita.
Novidades são interessantes e podem gerar transformação salutar em nosso
entendimento e no modo de fazer as coisas. Muitas delas, porém, são vazias, não
têm consistência e perdem harmonia se analisadas mais profunda e imparcialmente.
Ah! Como é difícil ser imparcial! Em sua totalidade não o conseguiremos, mas
devemos fazer um esforço consciente para poder aproveitar o que é bom.
A forma de se exercer a caridade é algo que pode melhorar bastante. Muitos
espíritas ainda pensam que devem fazer tudo escondido. Assim, deixam pela manhã
no orfanato, 20 quilos de açúcar e 10 quilos de farinha de trigo. Certamente
essa pessoa está com a consciência tranqüila, contente até porque fez uma boa
ação. O orfanato, no entanto, estava precisando de sal, óleo e margarina e tinha
tanto açúcar e farinha, que eles se estragaram, criaram bicho. Podemos até
pensar que o problema é do orfanato que não ofereceu esses alimentos em excesso
para outra instituição. Um pouco cômodo da nossa parte. Toda a responsabilidade
para os outros e nenhuma para nós. Ora, a caridade pressupõe o uso inteligente
dos recursos para atender a todos com eficácia, sem desperdício, inclusive do
tempo dos voluntários, que quantas vezes é desperdiçado sem saber exatamente que
tarefas são mais prioritárias. Podem passar um dia inteiro em uma instituição
sem ter feito quase nada produtivo e com qualidade. Esta última, coitada, é
sempre deixada de lado, pois o voluntário está doando e ele e a instituição
julgam que, nesse caso, nada se pode exigir (A cavalo dado não se olham os
dentes.)
É, muita coisa precisa mudar e está mudando para melhor. Também pela influência
do País mais capitalista do mundo. Que paradoxo! O coração do mundo, pátria do
evangelho, aprende com os norte-americanos. Certo, no princípio é apenas mais um
modismo. Agora ficou chique ser voluntário. Nas rodas sociais acabam tendo
destaque positivo quem faz algum trabalho voluntário. Para conseguir um emprego,
muitas vezes é fator decisivo.
É o começo. Não podemos esperar que todos iniciem novo trabalho com claro
entendimento dos problemas sociais, da responsabilidade da própria sociedade do
ponto de vista econômico, social, moral e espiritual. Isto nós alcançamos
gradativamente e o espiritismo também tem muito a contribuir, mas não só ele.
Passamos da fase de fazer qualquer bem. Devemos fazer o bem no nível em que
estamos capacitados a fazê-lo, sem desprezar qualquer oportunidade. É preciso
ter comprometimento, técnicas, métodos, estratégias, metas, indicadores,
avaliações e redefinições. Sobretudo, é necessário obter os melhores resultados.
No tempo de Kardec, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas incentivava
apenas a caridade individual que deveria ser feita de forma mais velada
possível. Apenas quando o espiritismo penetrou no Brasil é que a forma de fazer
a caridade encontrou a sinergia do trabalho em grupo que oferece mais recursos e
gera mais estímulos para a motivação das pessoas em favor do próximo.
O foco excessivamente religioso tende a abafar o raciocínio e a análise, gerando
paradigmas intransponíveis. Quantas vezes escutamos líderes espíritas dizendo
que o “importante é fazer o bem”. Com isso se quer justificar que fazer o bem
está na frente de qualquer outra coisa, como o estudo da doutrina, por exemplo.
Que o bem deve ser feito de qualquer jeito, pois o que vale é a intenção. Pior
ainda, são esses líderes equivocados que não aceitam introduzir na instituição
espírita nenhuma técnica de administração, planejamento, marketing, qualidade
pois entendem que elas podem deturpar o espiritismo. Sofisma. Todas as técnicas,
métodos e doutrinas podem ser mal empregadas. Até na Bíblia encontramos
passagens que mostram um Deus sanguinário, vingativo que só pode ser agradado
com obediência cega, sacrifícios de animais, sangue e até oferecimento de
bebidas alcoólicas.
Vamos, então, continuar a usar o conhecimento espírita como fundamento de nossas
ações, mas sem desprezar tantos outros conhecimentos e experiências que podem
contribuir com os nossos propósitos de progredir e fazer progredir com o mínimo
de sofrimento e máxima participação na construção de uma vida melhor para todos.
Líderes equivocados não aceitam introduzir na instituição espírita nenhuma
técnica de administração, planejamento, marketing e qualidade, pois entendem que
elas podem deturpar o espiritismo.
Fonte: Candeianet.com.br.
Ivan R.Franzolin