Pai, Perdoa-lhes
Quando o sangue do Redentor, exigido pelo interesse das
classes parasitárias, borrifou a face de algozes postados ao pé da cruz, a alma
do Eterno vibrou flamejante de cólera no seio do Infinito.
Então o Deus que expulsou Adão e Eva do Paraíso, privando-os das delícias do
Éden por motivo de uma desobediência; o Deus que amaldiçoou o fratricida Caim,
condenando-o à erraticidade;
0 Deus que mergulhou o mundo nas águas do dilúvio, exterminando a geração
corrompida dos primeiros tempos;
O Deus que mandou fogo abrasador sobre Sodoma e Gomorra, para punir a
licenciosidade dos seus habitantes; o Deus que sepultou na voragem o exército do
Faraó, quando perseguia Israel foragido;
O Deus que arrasou os campos do Egito, enviando sete terríveis pragas para
dobrar a cerviz daquela orgulhosa nação; o Deus que aniquilou as hordas dos
filisteus, quando em luta com os filhos do povo eleito; o Deus que imprimiu
direção à funda de David, abatendo o gigante Golias;
O Deus que milagrosamente injetou novos vigores nos músculos flácidos de Sansão,
para abater o templo gentio sobre os idólatras ali reunidos; o Deus forte e
zeloso, cognominado Senhor dos Exércitos, que punia os pecadores até à quinta
geração com desusada severidade;
O Deus cuja voz remedava o soturno ribombo do trovão, e cuja presença era
precedida de relâmpagos e coriscos que incendiaram as sarças do Sinai; o Deus
onipotente, terrível em suas vinditas, ao ver o sangue do seu Unigênito, alçou a
destra, e ia ordenar ao anjo do extermínio que extinguisse para sempre a
Humanidade perversa e má, assassina de seu filho, quando o olhar sereno de Jesus
a Ele se alçou, partindo ao mesmo tempo dos seus augustos lábios já lívidos e
trêmulos pela aproximação da morte, a seguinte súplica: Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem."
O Pai quedou-se. A destra, então alçada, pendeu inerte; e, desde esse momento, a
onipotência de Deus, que até ali se ostentara pela força, começou a
manifestar-se pelo amor.
Vinícius