O Natal e a Saudade
Eu me lembro: era ainda muito criança...
Buscando nos arquivos da memória, não encontrei sensação de maior felicidade!
Em casa, papai, mamãe, meus irmãos, meus avós, todos empolgados de uma
desconhecida pressa, aguardávamos a chegada do Natal.
— Natal: o que quer dizer o Natal, para uma criança que o vive pela primeira
vez?
Hoje, dezenas e dezenas de dezembros são passados e só então compreendo o que
quer dizer o Natal. Naquela época, a festa era mais por conta das nozes, das
roscas e das tâmaras que através dos mares tinham chegado até nossa mesa. A
neve, presente lá fora, mas dando notícias no interior do lar, dizia-nos que o
recolhimento doméstico, além de ser imperativo, era sobremaneira agregador. E
então, às horas tantas, chegava um bom visitante, todo de vermelho, mensageiro
dos sonhos, carregado de presentes. Presentes para todos!
Lembro-me bem: a primeira vez que vi Papai Noel fiquei emocionadíssimo e
apiedado do frio que ele devia estar sentindo, com tanta “neve” embaixo do nariz
e em volta de todo o rosto.
Papai, dando as boas-vindas àquele mensageiro sublime, convidava todos à oração.
Na primeira vez, só eu fiquei de olhos abertos, pensando:
— Coitado daquele velhinho: tanto peso, tanta neve no rosto...
Não podia mesmo desviar meus olhos dele.
Papai, sem alongar explicações, falava de um Homem Bom, que incompreendido à sua
época, séculos atrás, tinha sido martirizado. Mas, tal martírio, resgatara a
Verdade, pois que o Mártir, mais vivo do que nunca, jamais se afastara dos
homens: pela Ressurreição, avocou a missão de orientar e salvar a Humanidade.
Papai dizia também que Jesus — o bom Homem —, nunca se separara dos homens: sem
ninguém saber, às vezes se apresentava como aquele velhinho.
Hoje, que também aquela “neve” está no meu rosto, compreendo que o Natal não é
um dia: o Natal é sempre! Nós é que elegemos um dia, que o calendário consagrou
universalmente, para cultuarmos a vinda do Mestre até nós, como homem.
Compreendo também porque tantas e tantas pessoas, assim como eu, por muito tempo
não gostavam do Natal: pesa-nos o remorso do que fizemos com Jesus. E esse é um
remorso milenar, do qual alguns vestígios rondam os dezembros e que muitos de
nós ainda sentimos...
Por outro lado, lembranças de parentes amados que justamente no Natal, ou perto
dele, partiram para a casa de Papai Noel...
Compreendo e da minha parte penitencio-me do erro no Gólgota, pois quem volta
para as planícies espirituais na época do Natal, encontra no caminho anjos e
mais anjos que perfilam-se de ambos os lados, quais escolares postados num
desfile cívico. É que esses anjos, mãos unidas, são os condutores das preces que
da Terra vão aos milhões para o Céu, quais estafetas de um gigantesco telegrama
que dissesse a Jesus: parabéns!
E, quando tempos depois do Natal as cascas das nozes deslizam nas águas
derretidas das neves, levando nossas saudades da “Noite Feliz”, não posso deixar
de pensar que essas saudades, que as neves guardam por algum tempo, são
parecidas com as saudades guardadas pelos séculos, de quando estávamos frente a
frente a Jesus e não soubemos aquilatar a magnitude do presente, mal
aproveitado, que Deus — o Grande Papai Noel —, então nos dera.
Eis porque, agora, já com a infância tão feliz arremessada distante no passado,
pelos anos que passaram, sonho com cada Natal, pois naquele dia os homens se
fazem meninos.
Pena que seja só uma vez por ano.
Van der Goehen