A Beneficência
Sede bons e caridosos: essa a chave dos céus, chave que tendes
em vossas mãos. Toda a eterna felicidade se contém neste preceito: "Amai-vos uns
aos outros." Não pode a alma elevar-se às altas regiões espirituais, senão pelo
devotamento ao próximo; somente nos arroubos da caridade encontra ela ventura e
consolação. Sede bons, amparai os vossos irmãos, deixai de lado a horrenda chaga
do egoísmo. Cumprido esse dever, abrir-se-vos-á o caminho da felicidade eterna.
Ao demais, qual dentre vós ainda não sentiu o coração pulsar de júbilo, de
íntima alegria, à narrativa de um ato de bela dedicação, de uma obra
verdadeiramente caridosa? Se unicamente buscásseis a volúpia que uma ação boa
proporciona, conservar-vos-íeis sempre na senda do progresso espiritual. Não vos
faltam os exemplos; rara é apenas a boa-vontade. Notai que a vossa história
guarda piedosa lembrança de uma multidão de homens de bem.
Não vos disse Jesus tudo o que concerne às virtudes da caridade e do amor? Por
que desprezar os seus ensinamentos divinos? Por que fechar o ouvido às suas
divinas palavras, o coração a todos os seus bondosos preceitos? Quisera eu que
dispensassem mais interesse, mais fé às leituras evangélicas. Desprezam, porém,
esse livro, consideram-no repositório de palavras ocas, uma carta fechada;
deixam no esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm todos do
abandono voluntário a que votais esse resumo das leis divinas. Lede-lhe as
páginas cintilantes do devotamento de Jesus, e meditai-as.
Homens fortes, armai-vos; homens fracos, fazei da vossa brandura, da vossa fé,
as vossas armas. Sede mais persuasivos, mais constantes na propagação da vossa
nova doutrina. Apenas encorajamento é o que vos vimos dar; apenas para vos
estimularmos o zelo e as virtudes é que Deus permite nos manifestemos a vós
outros. Mas, se cada um o quisesse, bastaria a sua própria vontade e a ajuda de
Deus; as manifestações espíritas unicamente se produzem para os de olhos
fechados e corações indóceis.
A caridade é a virtude fundamental sobre que há de repousar todo o edifício das
virtudes terrenas. Sem ela não existem as outras. Sem a caridade não há esperar
melhor sorte, não há interesse moral que nos guie; sem a caridade não há fé,
pois a fé não é mais do que pura luminosidade que torna brilhante uma alma
caridosa.
A caridade é, em todos os mundos, a eterna âncora de salvação; é a mais pura
emanação do próprio Criador; é a sua própria virtude, dada por ele à criatura.
Como desprezar essa bondade suprema? Qual o coração, disso ciente, bastante
perverso para recalcar em si e expulsar esse sentimento todo divino? Qual o
filho bastante mau para se rebelar contra essa doce carícia: a caridade?
Não ouso falar do que fiz, porque também os Espíritos têm o pudor de suas obras;
considero, porém, a que iniciei como uma das que mais hão de contribuir para o
alívio dos vossos semelhantes. Vejo com freqüência os Espíritos a pedirem lhes
seja dado, por missão, continuar a minha tarefa. Vejo-os, minhas bondosas e
queridas irmãs, no piedoso e divino ministério; vejo-os praticando a virtude que
vos recomendo, com todo o júbilo que deriva de uma existência de dedicação e
sacrifícios. Imensa dita é a minha, por ver quanto lhes honra o caráter, quão
estimada e protegida é a missão que desempenham. Homens de bem, de boa e firme
vontade, uni-vos para continuar amplamente a obra de propagação da caridade; no
exercício mesmo dessa virtude, encontrareis a vossa recompensa; não há alegria
espiritual que ela não proporcione já na vida presente. Sede unidos, amai-vos
uns aos outros, segundo os preceitos do Cristo. Assim seja.
S.Vicente de Paulo