A Falsa Mendiga
Zezélia pedia esmolas, havia muitos anos.
Não era tão doente que não pudesse trabalhar, produzindo algo de útil, mas não
se animava a enfrentar qualquer disciplina de serviço.
- Esmola pelo amor de Deus! - clamava o dia inteiro, dirigindo-se aos
transeuntes, sentada à porta de imundo telheiro.
De quando em quando, pessoas amigas, depois de lhe darem um niquel,
aconselhavam:
- Zezélia, você não poderia plantar algum milho?
- Não posso... - respondia logo.
- Zezélia, quem sabe poderia você beneficiar alguns quilos de café?
- Quem sou eu, meu filho? não tenho forças...
- Não desejaria lavar roupa e ganhar algum dinheiro? - indagavam damas bondosas.
- Nem pensar nisto. Não agüento...
- Zezélia, vamos vender flores! - convidavam algumas jovens que se compadeciam
dela.
- Não posso andar, minhas filhas!... - exclamava, suspirando.
- E o bordado, Zezélia? - interrogava a vizinha, prestativa - você tem as mãos
livres. A agulha é uma boa companheira. Quem sabe poderá ajudar-nos? Receberá
compensadora remuneração.
- Não tenho os dedos seguros - informava, teimosa - e falta-me suficiente
energia... Não posso, minha senhora...
E, assim, Zezélia vivia prostrada, sem ânimo, sem alegria.
Afirmava sentir dores por toda parte do corpo. Dava noticias da tosse, da
tonteira e do resfriado com longas palavras que raras pessoas dispunham de tempo
para ouvir. Além das lamentações contínuas, clamava que não bebia café por falta
de açúcar, que não almoçara por não dispor de alimentação.
Tanto pediu, chorou e se queixou Zezélia que, em certa manhã, foi encontrada
morta e a caridade pública enterrou-lhe o corpo com muita piedade.
Todos os vizinhos e conhecidos julgaram que a alma de Zezélia fora diretamente
para o Céu; entretanto, não foi assim.
Ela acordou em meio dum campo muito escuro e muito frio.
Achava-se sem ninguém e gritou, aflita, pelo socorro de Deus.
Depois de muito tempo, um anjo apareceu e disse-lhe, bondoso:
- Zezélia, que deseja você?
- Ah! - observou, muito vaidosa - já sou conhecida na Casa Celestial?.
- Há muito tempo - informou o emissário, compadecido.
A velha começou a chorar e rogou em pranto:
- Tenho sofrido muito!... quero o amparo do Alto!...
- Mas, ouça! - esclareceu o mensageiro o auxílio divino é para quem trabalha.
Quem não planta, nada tem a colher. Você não cavou a terra, não cuidou de
plantas, não ajudou os animais, não fiou o algodão, não teceu fios, não costurou
o pano, não amparou crianças, não fez pão, não lavou roupa, não varreu a casa,
não cuidou de flores, não tratou nem mesmo de sua saúde e de seu corpo...
Como pretende receber as bênçãos de Cima?
A infeliz observou, então:
- Nada podia fazer... eu era mendiga...
O anjo, contudo, replicou:
- Não, Zezélia! - você não era mendiga. Você foi simplesmente preguiçosa. Quando
aprender a trabalhar, chame por nós e receberá o socorro celeste.
Cerrou-se-lhe aos olhos o horizonte de luz e, às escuras, Zezélia voltou para a
Terra, a fim de renovar-se.
Néio Lúcio