Paz e Luta
Muitas vezes, a pretexto de servir a Jesus, fugimos para a
sombra quieta do claustro, abandonando a luta em que o Mestre espera de nós a
colaboração salutar.
Mal nos sabe a escolha, porque, em semelhante contemplação, cultivamos a
inutilidade e acordamos, ao clarim da morte, na condição do pássaro de asas
entorpecidas.
Diz-se que é preciso aborrecer o pecado, buscando o recanto silencioso da
virtude improdutiva e anestesiante, sem o que não abominaremos Satanás e as suas
obras.
Não traduzirá, porém, essa atitude ruinoso descaso para com o mundo e para com
as almas que o Senhor nos confiou aos cuidados e salvaguarda?
Fora preciso que o amor não passasse de escura mentira, para crermos em nossa
salvação exclusiva, com deplorável esquecimento dos outros. Um soluço de criança
na Terra destruiria o Céu que a teologia comum criou para atender, em caráter
provisório, as nossas indagações.
O clima de contrastes em que a inteligência da criatura se alarga e evolve,
propiciando-lhe dificuldades e sombras temporárias, é, na essência, a paisagem
indispensável ao crescimento do espírito, para a vitória do amor, no coração do
Homem e no caminho da Humanidade.
A paz resulta do equilíbrio e não da inércia.
Jesus, no madeiro, desfrutava a tranqüilidade dos que podem desculpar o mal e
esquecê-lo. Pilatos, na suntuosidade do Pretório, conservava um espírito
vacilante e atormentado, que o arrastaria por fim ao suicídio.
O lago calmo costuma resumir-se a depósito de lodo estanque, enquanto a água
corrente, rolando sem cessar sobre a escarpa, chega pura aos lábios ressequidos
do homem.
A santidade não depende da máscara.
Há príncipes da fortuna e da inteligência, da autoridade e da fama, os quais,
embora situados entre a poltrona macia e o louvor incessante dos grandes e dos
pequenos, se esforçam, no serviço aos semelhantes, obedecendo aos ditames da
reta consciência; e há mendigos, esfarrapados e sedentos, que elevam mãos postas
aos céus, praguejando mentalmente em desfavor do próximo.
Muitos homens, aparentemente santificados por viverem repetindo orações
comoventes, são almas leoninas que se reconhecem necessitadas de constantes
preces e de meditação para não caírem na soez armadilha da própria
impulsividade; ao passo que temperamentos pacíficos, de exterior indiferença por
não respirarem na comunhão contínua dos sagrados ensinamentos, são espíritos
enobrecidos na fé, superiores às tentações da calúnia ou da dor, que já sabem
jornadear na Terra, achegados a Deus, sem as teias de qualquer empecilho humano.
Ninguém abandone a luta, crendo conquistar, assim, a paz.
Nenhum general experimenta o soldado em relvas floridas, e alma nenhuma se
elevará ao cume da purificação, sem as provas compreensíveis e justas do
sofrimento, no combate interior às inclinações menos dignas, ante as
circunstâncias do mundo externo.
Muitas almas piedosas recolhem-se aos mosteiros, procurando, debalde, no
afastamento da tentação, a serenidade e a alegria que lá não encontram, porque,
ainda aí, o lírio que adorna o altar procede da lama desconhecida; a vela que
arde em memória dos anjos consome a cera extorquida às abelhas laboriosas; o
centeio que fornece o pão abençoado à mesa nasceu e cresceu na cova anônima do
solo estercado; e a seriguilha que cobre a carne em contemplação foi roubada à
ovelha ao algodoal, que produz sob a chuva e sob o vento.
Muitos encontram luta amarga onde procuram as doçuras da paz, porque a
serenidade legítima provém das obrigações bem cumpridas no quadro de trabalho
que a realidade nos designa.
Conflitos e atritos vibram em toda a parte, porque, em todos os recantos, o
espírito suspira por ascensão.
Aceitemos os desafios do mundo sem temer o pecado, as trevas, o lodo, a morte.
Como sustentar a beleza e a ternura do lume, se não desculparmos a dureza e a
fealdade do carvão?
A vanguarda do trabalho é uma arena de que nos não cabe fugir. Defendamos em
suas linhas a nossa posição de serviço, amando e agindo, imaginando e elaborando
para o bem, e o Senhor, por certo, nos fará Divina Mercê.
Joana Angélica