O Corvo e a Raposa
Desconfiai dos aduladores: é a raça mentirosa; são as
encarnações de dupla cara que riem para vos enganar; infeliz de quem nele crê,
os escuta, porque as noções da verdade são logo pervertidas nele. E, no entanto,
quantas pessoas se deixam prender nesse engodo mentiroso da adulação! escutam
com paciência o velhaco que acaricia suas fraquezas, ao passo que repelem o
amigo sincero que lhes diz a verdade e lhes dá sábios conselhos; atraem o falso
amigo, ao passo que afastam o amigo verdadeiro e desinteressado; para
agradar-lhes, é preciso adulá-los, tudo aprovar, tudo aplaudir, achar tudo bem,
mesmo o absurdo; e, coisa estranha! repelem os conselhos sensatos, e crerão numa
mentira do primeiro que chegue, se essa mentira lisonjeia suas idéias. Que
quereis? Eles querem ser enganados e o são; e muito tarde, freqüentemente, disso
vêem as conseqüências, mas então o mal está feito e, algumas vezes, não tem
remédio.
De onde vem isso? A causa disto é quase sempre múltipla. A primeira, sem
contradita, é o orgulho que os cega sobre a infalibilidade de seu próprio mérito
que crêem superior a todo outro; também o tomam sem dificuldade por tipo do
senso comum; a segunda prende-se a uma falta de julgamento que não lhes permite
ver o forte e o fraco das coisas; mas é ainda aqui o orgulho que oblitera o
julgamento; porque, sem orgulho, eles desconfiariam de si mesmos e disso se
reportariam àqueles que possuem mais experiência. Crede bem também que os maus
Espíritos nisso não são sempre estranhos; eles gostam de mistificar, de estender
armadilhas e quem pode melhor nelas cair do que o orgulhoso que se lisonjeia? O
orgulho é para ele o defeito da couraça em uns, como a cupidez é em outros, e
sabem habilmente disso aproveitarem, mas evitam com cuidado dirigir-se ao mais
fortes do que eles, moralmente falando. Quereis vos subtrair à influência dos
maus Espíritos? Subi, subi tão alto em virtudes que não possam vos alcançar, e
então sereis por eles temidos; mas se deixais arrastar uma ponta de corda a ela
se agarrarão para vos forçar a descer; chamar-vos-ão com sua voz melosa, gabarão
vossa plumagem, e fareis como o corvo, deixareis cair o vosso queijo.
Sonnet