O Problema da Insatisfação
A insatisfação, que medra, assustadora, numa avalanche
crescente em todos os arraiais da Sociedade terrena, procede, de certo modo, da
programática educacional das criaturas que, desde cedo, recebem orientação e
adestramento em moldes eminentemente imediatistas, como se a vida devesse
abraçar, apenas, o estreito limite entre o berço e o túmulo...
Centralizando todas as aspirações no trâmite carnal, o triunfo, conforme os
padrões hedonistas, tem como finalidade à aquisição de valores para o gozo, o
destaque na comunidade, a tranqüilidade que decorra de um estômago saciado, um
sexo atendido e as vaidades estimuladas...
No entanto, mesmo quando tal ocorrência vem de ser lograda, acompanhada de
emoções estésicas, eis que o sonhador da roupagem carnal se depara com outro
tipo de necessidade que deflui do espírito, no seu processo de reeducação pelo
impositivo reencarnacionista.
O homem não é, exclusivamente, as suas necessidades orgânicas e emocionais que
se enquadram na argamassa fisiopsicológica.
O berço e o túmulo representam, no processo da evolução, meios de que se utiliza
a Sabedoria Divina para que o ser indestrutível entre e saia do corpo,
adquirindo experiências. fixando aprendizagem, modelando caracteres, crescendo
na fraternidade e santificando o amor, que arranca das expressões do instinto de
posse para a sublimação através da renúncia e do sacrifício...
Concebendo a vida como um jogo fugaz de sensações, em que o homem dotado de
recursos amoedados mais é feliz porque mais consegue, coloca todas as ambições
no estreito condicionamento da posse material, que amargura, quando escassa e
frustra. quando farta.
De forma alguma os valores da rápida aquisição conseguem produzir no homem a
verdadeira harmonia, tendo-se em vista que, impelido pelo próprio instinto de
preservação da espécie, se não vigia, mais ambiciona, quanto mais detém.
A posse, no entanto, de forma alguma faculta equilíbrio emocional. Quando é
abundante, produz o receio da perda, estimulando a existência dos fantasmas do
medo de perder a posição e os recursos que lhe significam a vida... E, quando é
exígua, favorece a escravidão ao que se gostaria de possuir, como fuga
psicológica às inquietações quase sempre injustificáveis.
O homem deve arrimar-se nos valores éticos, que ele próprio constrói a pouco e
pouco em si e à sua volta, compensando-se no ideal altruísta, com que desata as
emoções superiores que lhe jazem em gérmen, crescendo moralmente e superando as
injunções do cárcere físico, mediante cuja ascensão consegue a lucidez que lhe
dá a perfeita visão da vida e lhe dilata os horizontes em torno do que lhe
convém e do que deve fazer.
Situando as metas da existência além dos prazeres transitórios e frustrantes,
irmanado à fé libertadora, com que se arma de resistências para a dor, para o
mal, para os distúrbios de qualquer natureza, logra superar-se e planar além de
quaisquer vicissitudes negativas, através de cujo comportamento fruirá a real
felicidade.
Não cobiçando mais do que lhe é lícito reter; não se afadigando em demasia pelas
aquisições transitórias; não se antecipando sofrimentos advindos do receio do
futuro; não vivendo exclusivamente para o corpo, os insucessos aparentes são
convertidos em lições que amadurecem para os próximos empreendimentos, fixando o
bem em si mesmo, com que se ala nos rumos do Bem Incessante após a vilegiatura
orgânica, libertando-se das vestes físicas com a alegria do escafandrista que
retorna à tona, concluída a tarefa feliz no seio das águas profundas...
A insatisfação que a tantos amargura, enferma e conduz a distonias de largo
porte, pode e deve ser combatida através de uma pauta salutar de objetivos e de
diretrizes evangélicas, conforme Allan Kardec extraiu dos conceitos morais das
insuperáveis lições do Cristo, fazendo do Espiritismo o mais completo compêndio
de otimismo e de sabedoria conhecido nos tempos hodiernos.
Reflexionando em torno dos valores reais, como dos aparentes, o homem de bem,
inteligente, que sente necessidade de mais profundas e nobres aspirações para
ser feliz, mergulha a mente e o sofrimento no exercício do amor, em seu sentido
mais elevado, defrontando a grandeza da vida e realizandose por fim em paz.
Vianna de Carvalho