Centelha, por Casimiro Cunha
Pesquisa reforça a noção de que a mediunidade não é um fenômeno patológico
A relação entre a mediunidade e a glândula pineal sempre foi motivo de
questionamentos na ciência espírita. Muito se pergunta se a glândula pineal tem
alguma função durante as experiências espirituais de transes mediúnicos e, em
caso positivo, o que acontece de fato. O Espírito André Luiz, por intermédio das
psicografias de Chico Xavier, relatava essa possibilidade, porém na década de
1940, época em que as mensagens deram origem à série de livros psicografados,
pouco se podia fazer para apontar evidências ou provas sobre o assunto.
Com o passar dos anos, a tecnologia nos trouxe possibilidades de aprofundar os
estudos e conhecer mais sobre o funcionamento dessa glândula e suas ligações com
a mediunidade. A revista Brain and Behavior publicou uma recente pesquisa que
relata os resultados de um estudo sobre esse questionamento. Diante disso,
entrevistamos o médico endocrinologista Bastos Jr., um dos autores desse artigo,
para que ele nos explique sobre a pesquisa realizada e a função da pineal nos
episódios mediúnicos.
A seguir, a entrevista que ele concedeu a Giovana Campos:
Recentemente, foi publicada uma pesquisa sobre a estrutura e função da glândula
pineal em mulheres que passam por experiências mediúnicas. Qual a importância da
glândula pineal nos processos mediúnicos?
A suposta ligação da glândula pineal com assuntos espirituais é histórica,
remontando aos escritos médicos de Cláudio Galeno, no segundo século da era
cristã. O filósofo francês René Descartes, no século XVII, foi outra importante
personalidade a defender essa tese. Na mesma linha, muitos escritos espíritas,
por exemplo as obras do autor espiritual André Luiz, psicografadas por Chico
Xavier, trazem afirmações de que a glândula pineal (utilizando o seu sinônimo:
epífise) teria um papel importante nas experiências mediúnicas. Porém, em termos
de evidências científicas, ainda não foi comprovada essa ligação, algo que
pudesse indicar em que bases se daria essa atuação da glândula pineal durante o
ato mediúnico.
No artigo recentemente publicado que você mencionou, relatamos os resultados de
uma pesquisa em que analisamos o volume da pineal em 16 médiuns espíritas
experientes (quase todas com mais de 10 anos de prática nos centros espíritas)
em comparação com 16 pessoas não médiuns (no caso, quase todas católicas).
Também foram analisados, em amostras de urina dessas pessoas, os níveis de
sulfatoximelatonina – uma substância que reflete a função da pineal –,
comparando-se entre os grupos. Foi um estudo com observações simples, mas
utilizando método científico rigoroso, com controle adequado para outras
variáveis que poderiam influenciar nas medidas (por exemplo, diferenças com
relação à média de idade ou uso de medicamentos com ação sobre o cérebro entre
os grupos – não ocorreu isso nesse estudo), o que dá confiabilidade quanto aos
resultados encontrados.
A glândula pineal é parte do sistema endócrino, e há vários exemplos de
glândulas desse sistema que apresentam aumento do seu volume em situações nas
quais estão bastante ativas, produzindo grande quantidade de seus hormônios (por
exemplo, aumento do volume da hipófise durante a gestação, em que há um aumento
significativo na produção de prolactina; ou aumento no volume das adrenais
durante períodos prolongados de estresse, em que há aumento persistente na
produção de cortisol). Então, tendo em conta as teorias espíritas, quisemos
testar a hipótese de que o volume da pineal nas médiuns seria maior, por estar
mais ativa nessas pessoas. Quanto às substâncias produzidas pela glândula
pineal, se considera que a única com importância fisiológica é a melatonina, um
hormônio que cai na circulação sanguínea e age em todo o organismo, tendo
importância reconhecida para a regulação do ciclo sono-vigília, além de ação
antioxidante e neuroprotetora. A sulfatoximelatonina é o principal metabólito da
melatonina, que é dosável na urina e que reflete diretamente as concentrações
desta.
Por outro lado, existem especulações de que o papel da pineal para o ato
mediúnico poderia se dar através dos cristais e calcificações que são
normalmente encontrados em seu interior, que estes poderiam ser responsáveis
pela captação de campos eletromagnéticos (inclusive das eventuais fontes não
locais de informações obtidas de forma mediúnica). Na nossa pesquisa, não foi
feita avaliação quanto à eventual diferença na presença/ausência dessas
calcificações entre os grupos médium e não médium porque a ressonância magnética
(apesar de, em geral, proporcionar ótima resolução de imagem do sistema nervoso
central) é um método que não permite distinguir bem entre calcificações e vasos
sanguíneos. Para isso seria necessário utilizar o método de tomografia
computadorizada, mas que teria o inconveniente da exposição à radiação. Outra
especulação é a de que a pineal poderia produzir substâncias com ação
alucinógena (alucinógenos endógenos), em doses ínfimas, mas suficientes para
contribuir com a instalação do estado alterado de consciência que é observado
durante o transe mediúnico. Mesmo que venha a ser comprovado que tenham
importância fisiológica, a nível cerebral, é fato que tais alucinógenos
endógenos sofrem rápida degradação enzimática e persistem bem pouco tempo na
periferia, sendo de difícil avaliação laboratorial. Outro aspecto a ser
explorado, e que de alguma forma poderia se demonstrar importante para o ato
mediúnico, é a relação contígua da pineal com a habênula (ambas juntas
constituindo o epitálamo), estrutura essa que também responde às informações
quanto à luminosidade do ambiente e que tem sido considerada peça relevante do
sistema límbico e do sistema de recompensa cerebral.
Na pesquisa foram selecionadas 32 mulheres, divididas em dois grupos: um grupo
de médiuns e outro o grupo-controle. O grupo de médiuns pertencia a qual tipo de
tarefa mediúnica? Por que essa tarefa foi a selecionada?
Todas as médiuns incluídas no estudo exerciam a mediunidade de psicofonia (fala
sob influência de Espíritos), também denominada no meio espírita como
mediunidade “de incorporação”. Não obstante, muitas delas também relataram
apresentar outros tipos de mediunidade, por exemplo, psicografia, vidência, cura
espiritual etc., mas o critério de inclusão foi exercer a atividade de médium
psicofônico em reuniões de desobsessão em centros espíritas adesos à Federação
Espírita de Mato Grosso do Sul, há pelo menos 3 anos (embora a média de tempo de
trabalho mediúnico tenha sido bem superior [de 22 anos], com 70% delas exercendo
a atividade há mais de 10 anos). Selecionamos esse critério por anteciparmos que
seria o mais factível para encontrar médiuns aptas a participarem, por sabermos
ser a reunião de desobsessão uma prática comum, realizada na maioria dos centros
espíritas.
O tempo de exercício mediúnico ou idade das participantes tem alguma influência
nos resultados?
A média de idade nos grupos ficou entre 51 e 55 anos, se tratando a maioria,
portanto, de mulheres em idade madura, pós-menopáusicas. Na amostra do nosso
estudo, não encontramos relação significativa da idade com volume ou função da
pineal. Porém, com relação ao volume da glândula hipófise, que também foi
avaliado, observamos relação inversa entre idade e volume dessa glândula no
grupo das médiuns. Esse achado era previsível, pois no processo fisiológico de
envelhecimento, observa-se redução do volume da hipófise.
O tempo de exercício mediúnico também não se relacionou com volume ou função da
pineal. Entretanto, vale ressaltar que, em estudo anterior realizado por nosso
grupo, observamos que o grau de excitação física (mensurado através de
eletrocardiograma contínuo, minuto a minuto), durante a incorporação, se
relacionou significativamente não com a idade, mas, sim, com o tempo de prática
mediúnica, sendo maior naquelas médiuns menos experientes. Esse dado nos leva a
acreditar que ocorre uma habituação (ou seja, uma atenuação da resposta de
estresse desencadeada) à incorporação, com o decorrer dos anos de prática
mediúnica. Ou seja, parece ocorrer uma maior adaptação física do médium para
aquela prática.
Como foi a análise da glândula pineal nesse processo mediúnico?
A análise realizada das imagens da glândula pineal foi estrutural, e não
funcional. Ou seja, o objetivo foi mensurar o volume estático da glândula, e não
avaliar eventuais alterações dinâmicas no fluxo sanguíneo daquele órgão durante
a realização de determinado comportamento ou tarefa, como é feito nos exames
funcionais. Assim, a aquisição das imagens das médiuns foi obtida em situação
normal, fora de transe. As participantes do grupo-controle também realizaram
esse exame.
Já quanto à parte funcional, fizemos a mensuração dos níveis urinários de
sulfatoximelatonina. Esta foi realizada nas médiuns em três situações: em
resposta à prática mediúnica, e em resposta a duas tarefas-controles – uma
estressora (geradora de estresse) e outra não estressora. As participantes do
grupo-controle tiveram os seus níveis urinários de sulfatoximelatonina avaliados
apenas em resposta à tarefa não estressora, para comparação com o grupo médium.
Houve diferença significativa nos resultados entre os dois grupos?
Apesar de o número de experiências anômalas ter sido significativamente maior
nas médiuns, não encontramos diferenças significativas entre os grupos quanto ao
volume da glândula pineal, volume da glândula hipófise ou níveis urinários de
sulfatoximelatonina. Os escores de saúde mental e de qualidade do sono também
foram similares nos dois grupos.
Também quanto à comparação dos níveis urinários de sulfatoximelatonina nas três
diferentes condições (experiência mediúnica, tarefa-controle estressora e tarefa
controle não estressora), não observamos diferenças significativas.
Esses achados estão em linha com estudo anterior realizado por nosso grupo, em
que avaliamos as concentrações plasmáticas de melatonina em resposta à vivência
mediúnica, comparando 20 médiuns espíritas experientes com 20 praticantes do
Espiritismo não médiuns (avaliadas simultaneamente, aos pares, nas mesmas
reuniões de desobsessão), e no qual não observamos diferenças significativas
entre os grupos quanto aos níveis basais ou quanto ao delta (diferença
pré-pós-comunicação mediúnica) dessa substância.
O bom método científico recomenda a replicação desses experimentos por outros
grupos de pesquisadores. Até o momento, esses resultados indicam que a
conjecturada relação da pineal com a mediunidade, se existir, deve se fazer em
outras bases (ainda inexploradas), que não através da produção de melatonina.
Outros fatores psicofisiológicos como estado ansioso, frequência cardíaca e
cortisol também foram avaliados na pesquisa. Quais os motivos de análise e quais
os resultados obtidos?
Nosso plano ao analisar esses parâmetros na pesquisa foi caracterizar com maior
precisão o grau de estresse que as médiuns apresentavam em resposta ao transe de
incorporação. Alguns estudos disponíveis na literatura (por exemplo: estudo de
Noriel Kawai e colaboradores, 2001; de Joan Hageman e colaboradores, 2010, de
Arnaud Delorme e colaboradores, 2013 etc.) relataram a presença de uma resposta
de excitação mental e física nos médiuns durante o transe, o que também ficou
evidenciado em estudo anterior realizado por nosso grupo (em que as médiuns
foram estudadas através de dosagem de catecolaminas plasmáticas,
eletroencefalograma e eletrocardiograma/Holter cardíaco).
O cortisol é um hormônio produzido pelas glândulas adrenais que responde a
estressores físicos e psicossociais e pode ser dosado na saliva, de forma
repetida e não invasiva. A mensuração da frequência cardíaca e o uso de
questionários breves validados para avaliação do estado de ansiedade também são
de fácil utilização e contribuem para a interpretação adequada do estado
subjetivo do indivíduo. Como mencionamos antes, na pesquisa recentemente
publicada, analisamos esses parâmetros na noite em que as médiuns apresentavam o
transe de incorporação (reunião de desobsessão) e durante tarefa-controle
estressora (Teste de Trier) e tarefa-controle não estressora (situação de
leitura em grupo), para comparação. O grau encontrado de elevação da ansiedade e
da frequência cardíaca em resposta à prática mediúnica foi intermediário entre a
situação de leitura e a tarefa-controle estressora. O padrão observado de
reatividade ao estresse durante o Teste de Trier foi normal (apenas com a
observação de que a resposta do cortisol salivar foi atenuada). Ficou, portanto,
demonstrado que as médiuns da nossa amostra apresentavam eficiente regulação da
emoção.
É possível afirmar que as experiências mediúnicas são fenômenos não patológicos?
É necessária certa cautela ao afirmar isso, pois, ao mesmo tempo que é preciso
evitar o risco de “patologizar” experiências religiosas normais, também temos
que evitar classificar condições clínicas potencialmente perigosas como
experiências religiosas/espirituais comuns.
Para a ciência tradicional, o fenômeno mediúnico tem sido incluído no grupo das
experiências dissociativas. A dissociação consistiria em uma falta de integração
entre os sistemas de ideias e funções que constituem a personalidade e existiria
um espectro contínuo de dissociação, indo desde simples episódios de distração
(absorção introspectiva) até experiências prolongadas e muito aflitivas, como,
por exemplo, transtorno de múltiplas personalidades.
Assim, os médiuns seriam indivíduos com maior tendência à dissociação. Quando as
vivências dissociativas ocorrem de maneira frequente e descontrolada, em locais
e momentos socialmente inadequados, desencadeadas por qualquer estresse agudo
trivial presente na vida diária, causam sofrimento. Diversas evidências indicam
que certos contextos culturais e tradições religiosas (entre eles o
Espiritismo), através de treinamento, suporte social e conferência de
significado, ajudam a moldar essas ocorrências dissociativas, contribuindo para
a integração desses eventos na personalidade dos indivíduos que as apresentam,
de maneira saudável.
As médiuns espíritas estudadas em nossa amostra são experientes, bem integradas
a um contexto religioso e, apesar de seus escores elevados de experiências
anômalas e dissociativas, têm boa saúde mental. Contrastando com estudos
relatados na literatura com indivíduos com transtornos dissociativos e
psicóticos, que apresentam anormalidades na pineal, na hipófise e na reatividade
ao estresse, as médiuns que estudamos apresentaram normalidade em todos esses
parâmetros. Portanto, nossos resultados de fato reforçam a noção de que a
mediunidade pode ser um fenômeno não patológico, tanto em termos mentais como
físicos.
Autor: Marco Aurélio Vinhosa Bastos Jr.
Todo esse material provém dos sites: CVDEE - Centro Virtual de Divulgação e Estudo do Espiritismo e da Revista Eletrônica O Consolador.
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