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Quando Jesus se fazia acompanhar pela multidão, na manhã rutilante, refletia, amorosamente, consigo mesmo :

Ensinara as lições básicas do Reino de Deus aos filhos da Galiléia, que o seguiam naquele instante divino... Todos permaneciam agora cientes do amor que devia espraiar-se sobre as noções da lei antiga! Que não poderia Ele fazer daqueles homens e mulheres bem informados? Poderia, enfim, alongar-se em maiores considerações, relativas ao caminho de retorno da criatura aos braços do Pai. Dilataria os esclarecimentos do amor universal, conduziria a alma do povo para o grande entendimento. Decifraria para os filhos dos homens os enigmas dolorosos que constrangem o coração. Para isso, porém, era indispensável que compreendessem e amassem com o espírito... Quantas pequenas lutas em vão? Quantos atritos desnecessários? A multidão, por vezes, assumia atitudes estranhas e contraditórias. Diante dos prepostos de Tibério, que a visitavam, aplaudia delirantemente; todavia, quando se afastavam os emissários de César, manchava os lábios com palavras torpes e gastava tempo na semeadura de ódios e divergências sem fim... Se aparecia algum enviado do Sinédrio, nas cidades que marginavam o lago, louvava o povo a lei antiga e abraçava o mensageiro das autoridades de Jerusalém. Bastava, entretanto, que o visitante voltasse as costas para que a opinião geral ferisse a honorabilidade dos sacerdotes, perdendo-se nos desregramentos verbais de toda espécie... Oh! sim – pensava - todo o problema do mundo era a necessidade de amor e realização fraternal!

Sorveu o ar puro e contemplou as árvores frondosas, onde as aves do céu situavam os seus ninhos. Algo distante o lago era um espelho imenso e cristalino, refletindo a luz solar. Barcas rudes transportavam pescadores felizes, embriagados de alegria, na manhã clara e suave. E em derredor das águas deslumbrantemente iluminadas, erguiam-se vozes de mulheres e crianças, que cantavam nas chácaras embalsamadas de inebriante perfume da Natureza. Agradecia ao Pai aquelas bênçãos maravilhosas de luz e vida e continuava meditando.

- Porque tamanha cegueira espiritual nos seres humanos? não viam, porventura, a condição paradisíaca do mundo? Porque se furtavam ao concerto de graças da manhã? Como não se uniam todos ao hino da paz e da gratidão que se evolava de todas as coisas? Ah! toda aquela multidão que o seguia precisava de amor, a fim de que a vida se lhe tornasse mais bela. Ensiná-la-ia a conferir a cada situação o justo valor. Quem era César senão um trabalhador da Providência, sujeito às vicissitudes terrestres, como outro homem qualquer? Não mereceria compreensão fraternal o imperador dos romanos, responsável por milhões de criatura? Algemado às obrigações sociais e políticas, atento ao superficialismo das coisas, não era razoável que errasse muito, merecendo, por isso mesmo, mais compaixão? E os chefes do Sinédrio? Não estavam sufocados pelas orgulhosas tradições da raça? Poderiam, acaso, raciocinar sensatamente, se permaneciam fascinados pelo autoritarismo do mundo? Oh! refletia o Mestre – como seria infeliz o dominador romano, a julgar-se efetivamente rei para sempre, distraído da lição dura da morte! Como seria desventurado o Sumo Sacerdote, que supunha poder substituir o próprio Deus!... Sim, Jesus ensinaria aos seus seguidores a sublime sabedoria do entendimento fraternal!

Tomado de confiante expectativa, voltou-se o Messias para o povo, dando a entender que esperava as manifestações verbais dos amigos, e a multidão aproximou-se dEle, mais intensamente.

Alguns apóstolos caminhavam à frente dos populares, em animada conversação.

– Rabi – exclamou o patriarca Matan, morador em Cafarnaum –, estamos cansados de suportar injustiças. É tempo de tomarmos o governo, a liberdade e a autonomia. Os romanos são pecadores devassos, em trânsito para o monturo. Estamos fartos! É preciso tomar o poder!

Jesus escutou em silêncio, e, antes que pudesse dizer alguma coisa, Raquel, esposa de Jeconias, reclamou asperamente :

– Rabi, não podemos tolerar os administradores sem consciência. Meu marido e meus filhos são miseravelmente remunerados nos serviços de cada dia. Muitas vezes, não temos o necessário para viver como os outros vivem.

Os filhos de Ana, nossa vizinha, adulam os funcionários romanos e, por esse motivo, andam confortados e bem dispostos!...

– À revolução! à revolução! – clamava Esdras, um judeu de quarenta anos presumíveis, que se acercou, desrespeitosamente, como adepto apaixonado, concitando o líder prudente a manifestar-se.

– Rabi – suplicava um ancião de barbas encanecidas –, conheço os prepostos de César e os infames servidores do Tetrarca. Se não modificarmos a direção do governo, passaremos fome e privações...

Escutava o Senhor, profundamente condoído. Verificava, com infinita amargura, que ninguém desejava o Reino de Deus de que se constituíra portador.

Durante longas horas, os membros da multidão recriminaram o imperador romano, atacaram patrícios ilustres que nunca haviam visto de perto, condenaram os sacerdotes do Templo, caluniaram autoridades ausentes, feriram reputações, invadiram assuntos que não lhes pertenciam, acusaram companheiros e criticaram acerbamente as condições da vida e os elemento atmosricos...

Por fim, quando muito tempo se havia escoado, alguns discípulos vieram anunciar-lhe a fome que castigava homens, mulheres e crianças. André e Filipe comentaram calorosamente a situação. Jesus fitou-os de modo significativo, e respondeu, melancólico:

– Pudera! Há muitas horas não fazem outra coisa senão murmurar inutilmente!

Em seguida, espraiou o olhar através das centenas de pessoas que o acompanhavam, e falou comovidamente:

– Tenho para todos o Pão do Céu, mas estão excessivamente preocupados com o estômago para compreender-me.

E tomado de profunda piedade, ante a multidão ignorante, valeu-se dos pequenos pães de que dispunha, abençoou-os e multiplicou-os, saciando a fome dos populares aflitos.

Enquanto os discípulos recolhiam o sobejo abundante, muitos galileus batiam com a mão direita no ventre e afirmavam:

– Agora, sim! estamos satisfeitos!

Contemplou-os o Mestre, em silêncio, com angustiada tristeza, e, depois de alguns minutos, entregou o povo aos discípulos e, segundo a narração evangélica, “tornou a retirar-se, ele só, para o monte”.


Por: Irmão X, Do livro: Lázaro Redivivo, Médium: Francisco Cândido Xavier


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