Ensinar, por Espíritos Diversos
Esclarecimento
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Você pergunta, meu amigo, pelas razões que nos levam a escrever tanto.
Não deveríamos procurar a Corte Celestial para repouso? Teríamos tamanha saudade
da tarefa humana, a ponto de reabsorver-lhe, voluntariamente, as angústias? A
seu ver, o sepulcro seria o caminho ideal para o esquecimento absoluto.
Até aí, sua indagação se perde no domínio do comum, quanto aos motivos que o
compelem a trabalhar pela garantia da própria felicidade.
Seu inquérito, contudo, vai mais além. Deseja saber porque nos dedicamos ao
assunto religioso.
– “Todos os espíritos desencarnados – alega espantadiço – se empenham na difusão
dos princípios de fé e caridade. Emparelham-se com os pregadores insistentes do
alto dos púlpitos. Não possuiremos suficiente número de ministros e padres no
mundo?”
Equivoca-se em semelhante generalização. Nem todos os desencarnados se
consagram, ainda, a serviço tão nobre. Milhões deles permanecem imantados à
Crosta do Mundo, impedindo o progresso mental das criaturas que lhes são afins.
Preferem a discórdia e a malícia, como autênticos demônios soltos, e, quando
podem, chegam a destilar venenos cruéis, através de escritores invigilantes.
Mantêm a ignorância de muita gente, a respeito da eternidade, para melhor se
acomodarem às reclamações da inferioridade em que se comprazem.
No entanto, não é para comentar as perturbações da nossa esfera de ação que lhe
escrevo esta carta.
Refere-se você à religião, como se a fé representasse bolorento asilo para
espíritos inválidos. Certamente envolvido na onda turbilhonaria que agita o
oceano de nossa civilização decadente, também você penhorou o raciocínio nas
ilusões do homem econômico. Crê possível a regeneração do mundo, de fora para
dentro, e dar-se-ia, talvez, de bom grado, a qualquer renovador sedento de
sangue que prometesse um mundo reformado por decretos que se vão caducando, de
cinco em cinco anos.
Dentro de tal clima, não pode compreender o serviço religioso.
Admite que um pomar se mantenha e produza sem a sementeira? Persistiria a vida
humana sem o altar da maternidade?
O castelo teórico e o campo da experimentação pratica, em que se assentam os
princípios filosóficos e científicos da Terra, não se sustentariam sem a fonte
oculta e invisível da mística religiosa. Somente o ser privado de razão consegue
movimentar-se sem raízes na espiritualidade superior.
Os grandes escritores, supostamente materialistas, que você menciona com
indisfarçável prazer, não foram senão atletas do pensamento em conflito com as
imposições do sacerdócio organizado. Não hostilizavam Deus, objeto sagrado de
seus estudos e cogitações. Combatiam os processos infelizes, muita vez usados
pelos homens de má fé, para situarem o Eterno e Supremo Senhor na ordem
política. No fundo, identificavam a luz divina, na própria lâmpada de
intelectualidade que lhes aclarava a mente.
A religião é chama sublime, congênita na criatura. Todas as noções de direito no
mundo nasceram à sua claridade e todas as secretarias de justiça, nos mais
diversos países do Globo, devem a ela, sua procedência.
Quando o primeiro selvagem compreendeu que lhe competia respeitar a taba do
irmão, tal entendimento ter-lhe-ia surgido, à face da gloriosa visão do céu,
recolhendo, através da contemplação do Sol e das estrelas, da sombra e da
tempestade, a primitiva idéia de Deus.
Subtrair o pensamento religioso da experiência humana seria o mesmo que
desidratar o corpo da Terra. Sem a água divina da espiritualidade, qualquer
construção planetária se destina a irremediável secura.
Conseguiria você viver exclusivamente no deserto?
O homem poderá rir com Voltaire, estudar com Darwin, filosofar com Spinoza,
conquistar com Napoleão, teorizar com Einstein, ou mesmo fazer teologia com São
Tomás; entretanto, para viver a existência digna, há que alimentar-se
intimamente de princípios santificantes, tanto, quanto entretém o corpo à custa
de pão. Quem não dispõe do divino combustível para uso próprio, recorre
inconscientemente às reservas alheias, porquanto, não existe idealismo superior
que não tenha nascido da atividade espiritual e, sem ele, o conceito de
civilização redunda em grossa mentira.
Não sorria, pois, usando o sarcasmo, perante aqueles que consagram o tempo ao
ministério religioso.
Com os cientistas modernos, vocês poderão entrevistar o átomo, fotografar a
célula e positivar a curvatura do espaço... Há muita gente na América que já
pensa em pedir às autoridades administrativas da política dominante a reserva de
terrenos na Lua, considerando o desenvolvimento dos veículos a jato...
Poderão cogitar de tudo isto, mas não deslocarão a idéia religiosa em um
milímetro, sequer, de rota. A fé representa claridade de um sol que ilumina o
espírito humano, por dentro, e, sem essa claridade no caminho, o Planeta poderia
perder, em definitivo, a esperança num futuro melhor.
Quanto ao fato de demorar-me, por algum tempo, na atualidade, entre admiráveis
amigos que cogitam de servir, depois da morte, ao Cristianismo renascente, creia
que isto ocorre por gentileza deles e não por merecimento de minha parte. Não
sou nenhum Livingstone em Áfricas do “outro mundo”. Quem define o meu caso, com
paciência, é o nosso velho sábio Shakespeare. Disse ele, certa vez, que “quando
Deus nos vê endurecidos no mal, cerra-nos os olhos para a imundície e nos
obscurece o juízo, de modo que chegamos a dorar'>adorar os nossos desvarios e a zombar
de nós mesmos, caminhando, cheios de cegueira e de orgulho, para a perdição”.
Segundo depreende, sou um enfermo à procura de melhoras.
Embora desencarnado, não posso saber se você guarda saúde integral. Creio,
porém, que, se algum dia atingir a infelicidade a que cheguei, não deixará de
fazer conforme estou fazendo.
Por: Irmão X, Do livro: Luz Acima. Médium: Francisco Cândido Xavier
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