Ensinar, por Espíritos Diversos
A Fortuna de Allan Kardec
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Já vem de muito longe a historia de uma suposta fortuna de
Allan Kardec. Por duas vezes, a bem dizer forçado pelas circunstancias, escrevi
sobre este assunto, não propriamente para defender a memória do Codificador do
Espiritismo, porque uma vida tão impoluta não precisaria de defesa da
posteridade, a esta altura de sua projeção, no tempo e no espaço; mas o fiz,
confesso, por uma questão de respeito à verdade histórica.
Da primeira vez, toquei neste ponto, não me lembro quando, justamente para
rebater uma insinuação maldosa, isto é, a de que Allan Kardec havia sido um
“negociante falido”; da segunda vez, também através de um artigo de jornal, e já
faz algum tempo, fiz uma replica a certo jornalista, que, tendo passado uma
temporada em Paris, de lá voltara com a “novidade”, dizendo que descobrira as
origens da imensa fortuna de Allan Kardec.
No primeiro caso, o da Falência comercial de Allan Kardec, a historia já está
mais do que esclarecida, a não ser para quem não tenha “olhos de ver”. Nem é
preciso trabalho de erudição ou de pesquisa, pois a própria biografia de Allan
Kardec, escrita por Henri Sausse, o que quase todo espírita conhece, porque está
no Principiante Espírita, além de haver constituído obras especiais, conta o que
se passou, na realidade, sem o mais leve deslustre para o nome do dor'>codificador.
Tinha, ele, em Paris, um Instituto de ensino, semelhante ao famoso Instituto
Pestalozzi, onde estudara na juventude, mas desse estabelecimento fazia parte na
administração, como sócio de Kardec, um parente seu, com o vicio de jogador
incorruptível. Kardec, homem de boa fé, confiou no sócio, e este por sua vez,
arruinou as finanças do Instituto. Resultado: Allan Kardec, que já estava casado
com a professora Amélie Boudet, promoveu a liquidação, e, não sendo homem de
negócios entregou a parte que lhe coubera, no fim de tudo, correspondendo a 45
mil francos, a um amigo, alias mau negociante. Foi esta a causa da falência de
Allan Kardec. O amigo fizera maus negócios e o casal perdeu, assim, todas as
suas economias.
Diz Henri Sause: Longe de desanimar com esse revés, o Sr. E Sra. Rivail
lançaram-se corajosamente ao trabalho. Ele encontrou e pode encarregar-se da
contabilidade de três casas, que lhe produziram cerca de 7.000 francos por ano;
e, terminando o seu dia, esse trabalhador infatigável escrevia à noite, ap
serão, gramáticas aritméticas para estudos pedagógicos superiores e ainda fazia
traduções... Isto é o que se pode chamar uma falência honrosa.
Apesar disto, houve quem explorasse esse aspecto na vida de Kardec. Não há quem
não saiba, por exemplo, que existe uma forma de falência fraudulenta ou
intencional, promovida pelo individuo que não pode ou não quer liquidar os
débitos, e, por este meio, força a situação até chegar à falência; mas também
existem muitos casos de falência por falta de jeito para o comercio. O fato,
portanto, de alguém ser negociante falido não quer dizer, em todos os casos, que
seja desonesto.
Allan kardec era um filosofo, um homem voltado para as coisas do espírito, não
podia, de forma alguma, dirigir os negócios de uma organização de caráter
econômico. Qualquer outro, em suas condições, iria à falência, se deixasse os
seus problemas filosóficos para se meter em negócios. Certos homens tem aptidão
par movimentar dinheiro. Allan Kardec encerrou a transação honestamente. Como
ele, vários outros homens de bem já ficaram arruinados materialmente por falta
de habilidade para lidar com dinheiro. Esta circunstancia é muito desvanecedora
para a reputação de Allan Kardec.
Conheço um confrade nosso (não cito o nome), ainda bem firme ente nós, que
preferiu perder tudo, ficar sem “eira nem beira”, e era negociante forte, a fim
de salvar o seu nome. Houve uma crise na firma, alguns credores ainda lhe
fizeram propostas de condescendência, mas o nosso confrade resolveu pagar tudo,
ficar sem recurso algum, mas sair do comercio com o nome limpo, inatacável. Vive
muito feliz, é um homem honrado, não tem sequer uma casa para morar, mas ninguém
ousou nem ousará jamais levantar qualquer suspeita sobre o seu caráter. Era
outro que não sabia negociar, e só se convenceu disto quando teve de enfrentar a
crise comercial. Não é de admirar, portanto, que um homem como Allan Kardec,
espírito afeito ao estudo, à meditação, aos problemas de educação, não tivesse
êxito no comercio.
Vamos, agora, ao caso da riqueza de Kardec, descoberta por um jornalista. Diz
ele que o dor'>codificador do Espiritismo ganhou altas somas de dinheiro com as suas
obras. E se assim fosse, que mal haveria nisto? E se ele fosse realmente rico,
não poderia ser um grande homem? Sim, recebeu o pagamento dos direitos autorais
de seus livros didáticos, que foram muitos. É um direito. Todo escritor recebe,
legalmente, das casas editoras, a parte percentual dos direitos autorais.
Alguns autores viviam disto. É certo que diversos escritores espíritas não
recebem e nem querem receber coisa alguma pelos direitos autorais de suas obras
doutrinarias. Se recebessem, não estariam cometendo nenhuma indignidade, pois os
livros são produto de seu trabalho. Quando, porem, se trata de obra mediúnica, o
caso muda de figura. Seja como for, os autores de obras espíritas, pelo menos no
Brasil, geralmente abrem mão de qualquer vantagem financeira pelas edições de
seus livros, em beneficio da Causa que abraçam. Acho que fazem muito bem.
É preciso notar, entretanto, que, antes de ser espírita, Allan Kardec já era
autor de vários livros didáticos. Nada mais natural e mais justo, portanto, do
que receber aquilo que lhe era devido pela venda de seus livros. Ainda assim, o
Codificador não fez fortuna, não conseguiu acumular essa riqueza imaginaria de
que às vezes se fala. É verdade que, dentro de um padrão modesto vivia com
independência, mas isto não é ser rico. Se não era um dedicante, também não era
um abastado.
Seus livros não dariam para fazer fortuna, porque nunca se ouviu dizer, em parte
alguma do mundo, que um escritor ficasse rico somente com o produto de obras
filosóficas ou de alta moralidade... Os livros que enriquecem de uma hora para
outra, como os chamados “sucessos de livraria”, são de outro gênero, não cuidam
de problemas profundos, não cogitam de coisa serias, como educação, reforma
moral do homem, vida espiritual, etc.
No entanto, até hoje, depois de um século, ainda não falta, lá uma vez por
outra, quem diga que Allan Kardec enriqueceu com as obras espíritas o que é uma
inverdade gritante: agora mesmo estou lendo a excelente edição especial da
Revista Espírita, de Allan Kardec, traduzida pelo Dr. Julio Abreu Filho e
publicada, em boa hora, pela Livraria Allan Kardec Editora (LAKE), de São Paulo.
O volume corresponde a 1862 traz um artigo exatamente sobre Os milhões do Sr.
Allan Kardec.
A história da suposta fortuna aparece aí, por inteiro, com toda a fidelidade.
Pena é que não seja possível transcrever, aqui todo o artigo. Foi um padre,
contemporâneo de Kardec, na França, o responsável pela falsidade. Disse o padre
que conhecera Allan Kardec ainda pobre, vivendo em Lião (sua Cidade natal), e
agora, depois que se fizera espírita, ia encontrá-lo como um nababo, em Paris:
carruagem com quatro cavalos, possuindo milhões em dinheiro, pisando “belos
tapetes”Aubusson”.
Dando resposta sobre a pessoa que lhe transmitiria a noticia, Allan Kardec
começa justamente assim: Meu caro Sr. ri muito dos milhões com que, tão
generosamente, me gratifica o sr. Padre V... Mais adiante. Em termos um tanto
incisivos, frisou o Codificador: Espiritismo não é, nem poderia ser um meio de
enriquecer, ele repudia toda especulação de que pudesse ser objeto; ensina a
fazer pouco caso do temporal (bens materiais), a contentar-se com o necessário e
não procurar alegrias supérfluas, que não são o caminho do céu; se todos os
homens fossem Espíritas não teriam inveja, nem ciúmes, nem se despojariam uns
aos outros. E o Codificador arrasa todos os pontos da historia, fazendo ver,
logo de inicio, que, embora filho de Lião, nunca residira naquela Cidade depois
de adulto, pois passara a vida toda em Paris. Como poderia o sacerdote ter
conhecido Kardec, pobremente, em Lião?...
Falando, especialmente, sobre a venda dos direitos autorais, que tem sido um
motivo de insinuações descabidas até hoje Allan Kardec respondeu de um modo
categórico: Não tenho que dar satisfação de meus negócios a ninguém.certo. em
todo caso, e para que não se ficasse pensando que ele realmente ganhara dinheiro
com os seus trabalhos, Kardec esclareceu claramente: Entretanto, para contentar
um pouco os curiosos, que se deveriam meter apenas com o que é de sua conta,
direi que, se tivesse vendido meus manuscritos, apenas teria usado do direito
que todo trabalhador tem de vender o produto de seu trabalho, mas não vendi
nenhum; alguns até dei pura e simplesmente, no interesse da causa, e que são
vendidos como querem sem que me venha um tostão.
Eis aí uma prova de que Allan Kardec era um homem sem ambições materiais, um
espírito desprendido. Veja-se, ainda, esta enobrecedora declaração: “Para dar
uma idéia de meus grandes lucros, direi que a 1ª edição de “O Livro dos
Espíritos”, que fiz POR MINHA CONTA e risco, não teve editor que dela quisesse
encarregar-se e feitas às contas, esgotada a edição, vendidos uns exemplares,
dados outros rendeu-me cerca de quinhentos francos, como posso provar
documentadamente.
E remata; não sei que tipo de carruagem poderia ser comprada com isto. Antes de
encerrar este artigo creio que é oportuno extrair da “Revista Espírita”, vol. De
1862, pág. 179, mais um trecho interessante e judicioso. Disse Allan Kardec;
Quanto ao lucro, que me pode vir da venda de minhas obras, não tenho que dar
conta de seu montante, nem do emprego que lhe faço. (Não nos esqueçamos de que
ele era autor de outras obras, não espíritas).
Certamente – continua Kardec – assiste-me o direito de o gastar como entender;
entretanto não sabem se tal produto tem uma destinação determinada, da qual não
pode ser desviada; é o que saberão mais tarde... Por isso, deixarei memórias
cinscunstanciadas sobre todas as minhas relações e todos os meus negócios.
SOBRETUDO NO QUE CONCERNE AO ESPIRITISMO, a fim de poupar aos cronistas os
equívocos em que muitas vezes caem, ouvindo diz-que-dis-ques de criaturas
estúrdias, de más línguas, de gente interessada em alterar a verdade, à quais
deixo o prazer de deblaterar à vontade, para que se torne mais evidente a sua má
fé. (O que está em “caixa alta” é da iniciativa do autor deste artigo, não está
na fonte). Não há caráter mais puro principalmente quando se trata de um
idealista, que não esteja sujeito à maldade humana.
É o ônus moral que recai sobre as almas sinceras. Eis aí, finalmente, contada
pro ele próprio, a historia, ou lenda, da grande fortuna de Allan Kardec. Tinha
Kardec realmente uma riqueza pouco comum: a riqueza do espírito, que é eterna.
Por: Deolindo Amorim, Caso tenha ou possua, envie-nos a referência desse texto.
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