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Laurindo Matoso sentia-se no auge da exaltação doutrinária.
Iniciava os comentários de uma trintena de noites, que seriam consagradas a estudos sobre o dinheiro à face do Cristianismo, e exprimia-se, severo.
Lembrava a história dos grandes sovinas, relacionava os desastres morais surgidos da finança inconveniente...
- O ouro, meus irmãos - pontificava, solene -, é o pai de quase todas as calamidades da Terra. Abre a vala da prostituição, gera a delinqüência, incentiva a loucura e corrompe o caráter... Onde apareça a miséria, procurai, por perto, a fortuna. É preciso temer a posse e extinguir a avareza. O dinheiro destrói o amor e a felicidade, o dinheiro enche cadeias e manicômios...
A assembléia escutava, escutava...
Entretanto, o exame do assunto permitia o debate fraterno e, porque muitos companheiros de raciocínio acordado não podiam esposar plenamente as teses ouvidas, Matoso viu-se para logo encurralado em perguntas diretas.
- Mas você não considera o dinheiro como recurso da vida? - ponderava Montes, o irmão mais velho da turma. - A direção é que vale. Água governada faz a represa, a represa sustenta a usina, a usina cria trabalho e o trabalho é a felicidade de muita gente.
- Ora, ora! - gritava Laurindo, esmurrando a mesa - lá vem você, o filósofo espírita.
- Como assim? - sorriu o ancião prestimoso.
E Laurindo:
- Qualquer dinheiro desnecessário a quem o possua é porta aberta à demência.
- Ouça, matoso - interferiu Dona Clélia -, imagine-se você mesmo, num catre de provação, recolhendo o amparo amoedado de algum amigo. É impossível que você amaldiçoe o auxílio espontâneo...
- A assistência é tarefa para Governos - tergiversou o orador.
- Sim - concordou a interlocutora -, mas, por vezes, a representação dos Governos, embora respeitável, custa muito a chegar.
- E o dinheiro generoso que pode ajudar nos casos de família? - acentuou Dona Zulma.
- naturalmente, o senhor não tem, como nos acontece, um filho acusado por um desfalque no Banco. A quantia que nos foi emprestada, para salvar-lhe o nome, funcionou como bênção.
- Nada disso - protestou Laurindo, excitado. - Não houvesse o dinheiro e não surgiriam viciações. A paga dourada é que faz os defraudadores. Estudei a questão quanto pude. Em todas as civilizações, o dinheiro é responsável por mais da metade dos crimes...
A preleção seguia animada, com apartes ardentes, quando o telefone chamou Laurindo em pessoa.
O aviso procedia do recinto doméstico e, por isso, o monitor não conseguiu esquivar-se.
Ao telefone processou-se o seguinte diálogo:
- É você, Laurindo?
- Sim, sim.
- Olhe - informava a esposa distante -, um portador chegou agora...
- Que há? - inquiriu Matoso, austero e preocupado.
- Meu avô morreu e deixou-nos todos os bens... A fazenda, os depósitos, as apólices...
Venha!... Precisamos combinar tudo. É muito problema por decidir, mas creio que a herança nos libertará de todo cuidado material para o resto da vida...
- Bem, filha - e a voz do Matoso adocicou-se, de inesperado -, vou já...
Logo após, algo atarantado, pediu desculpas, alegando que precisava sair.
- E o final da palestra? - disse Osvaldo Moura, um amigo que acompanhava as instruções, empunhando notas.
- Temos o mês inteiro para discutir o temário - explicou o orador. - O dinheiro é o flagelo dos homens. É imperioso guerreá-lo sem tréguas. Continuarei amanhã...
Os dias se passaram e, por mais solicitado ao regresso, Laurindo nunca mais voltou...


Por: Irmão X, Médium: Francisco Cândido Xavier


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