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O mês de KisIev estuava. O Sol despejava dardos de luz e calor como se travasse violenta batalha com a Terra, ressecando-a, vencendo-a.
Os trigais pelos vales e na planície de Macna se erguiam formando imenso tapete em repouso, sem o sopro agradável do vento.
O Mestre desvelara-se, há pouco, junto à fonte de Jacó, nas cercanias de Sicar, à mulher samaritana, que saíra a anunciá-lo como profeta a todos da cidade, que a conheciam.
Penetrando-lhe a alma, o Senhor conquistara-lhe o coração, porque lhe não revolveu as feridas morais, antes balsamizou-as, confortando-a nos duros golpes sofridos durante a existência dorida.
Quem a não conhecesse não lhe imaginada as noites indormidas, as inquietações disfarçadas com sorrisos, as humilhações experimentadas.
O tributo à felicidade terrestre é pesada canga, que junge a padecimentos inomináveis. Somente aqueles que a carregam conhecem-lhe o peso, a constrição.
A mulher samaritana é um símbolo de perene atualidade.
Vítima, era lida como algoz pelo crime de ser mulher.
Espezinhada na sua fragilidade, era condenada por haver-se deixado seduzir...
Sempre tem sido assim. Os que tombam são acusados por haverem caído, como as violetas esmagadas sob as patas dos animais, que não deveriam estar no caminho por onde eles passam...
Jesus conhecia as criaturas humanas, suas grandezas e prejuízos, amando-as conforme eram e como se apresentavam.
Na Sua condição de Pastor, jamais elegia as ovelhas, deixando que essas O escolhessem.
Ao espanto dos discípulos, que O surpreenderam em quase êxtase solitário, ao retomarem da cidade, onde foram para a compra de alimentos e atendimento de necessidades outras, sucedeu-se a alegria das pessoas que tomaram conhecimento da ocorrência à borda do poço.
Profundamente tocada pela magia do Nazareno belo, a mulher samaritana não se cansava de elogiá-lO, embora Ele a houvesse desnudado.
Ela agora sabia que o pecado é desgraça, é morte e que somente a virtude é bênção de vida.
Entregara-se às extravagâncias do prazer, passando de mão em mão quase sem dar-se conta, porque nunca amara, jamais vira realmente a luz e, nas sombras, todos os movimentos são sempre silhuetas confusas.
Agora não. Acabara de vislumbrar a claridade; alcançara outra dimensão...
Dialogando com aquela mulher estranha, quase detestada, por pertencer à raça da Samaria, Jesus arrebentou as algemas do separatismo, dos preconceitos, atravessando as fronteiras colocadas pelas paixões humanas.
Universalizou o Seu amor, a Sua Mensagem.
Que Lhe importava se a adoração ao Pai se dava no monte Garizim, na Samaria, ou no Templo de Salomão, em Jerusalém?!
O importante em si mesmo é que todos adoravam a Deus, parecendo fazê-lo por fora, quando o correto seria no coração, nos atos de amor para com o próximo.
Os amigos, percebendo-Lhe a introspecção, sempre preocupados com o secundário em detrimento do essencial, insistiram para que Ele comesse.
Olvidados do pão do espírito, aferravam-se ao de trigo como solução única para todos os problemas.
Por isso, Ele respondeu-lhes:
— Tenho um alimento para comer, que vós não conheceis...
Chilreiavam as aves na copa das árvores enquanto o vento morno agitava-lhes os ramos.
O trigal exuberante ondeava sob as vagas que lhe perpassavam em lufadas quentes, contínuas.
Atônitos, os companheiros murmuraram entre si:
— Acaso Lhe trouxe alguém de comer?
Viviam com Ele e não O conheciam.
Falavam e ouviam, mas não O entendiam.
Ele pensava no Reino dos Céus, enquanto eles se imantavam ao reino da Terra.
Jesus, então, elucidou-os:
— O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que me enviou a realizar a Sua obra.
E prosseguiu:
— Não dizeis vós que dentro de quatro meses chegará o tempo da ceifa? Pais bem. Eu digo-vos: erguei os olhos e vede. Os campos estão brancos para a ceifa...
Ele ainda não se houvera desvelado, nem a João Batista, a ninguém, exceto à samaritana...
A sinfonia espraiava os seus primeiros acordes.
Nunca mais cessaria a sua musicalidade ímpar.
A pauta da Natureza em festa forneceria por todo o sempre novos sons, novas melodias.
— O ceifeiro já recebe o salário — prosseguiu em doce tom — e recolhe o fruto para a vida eterna, de modo que o semeador se alegra juntamente com o ceifador. Pois nisso se verifica o ditado: Um é o que semeia e outro o que colhe. Enviei-vos a ceifar, o que vós não trabalhastes: outros trabalharam e vós aproveitai-vos do seu trabalho.
Os amigos em silêncio ouviam-nO com o coração, incapazes, no momento, de digerirem as palavras com a razão.
E necessário, na colheita, agradecer as mãos que antes semearam.
Quem agora chega, que abençoe o trabalho daquele que antes aqui esteve e preparou-lhe o caminho.
Todos os indivíduos no mundo têm um papel a desempenhar, sempre importante. Enquanto a escala de valores classifica-os, qualitativamente, o amor iguala-os em significado. Tanto é nobre aquele que desmata a gleba, quanto o que a enriquece de sementes, ou aqueloutro que lhe recolhe os grãos.
Não é fundamental saber quem veio antes e menos é identificar aquele que virá depois.
Sucedem-se as gerações e, à semelhança das águas que passam sob uma ponte, e provável que retornem como chuva enriquecedora, porém, não importa sabê-lo por enquanto.
A samaritana colheu dos lábios de Jesus o que não houvera plantado, libertando-se das licenças morais perturbadoras, readquirindo a identidade perdida.
Por sua vez, os discípulos ceifavam a gleba plantada pelos profetas que os anteciparam, por aqueles que se sacrificaram antes que eles chegassem...
Assim é a vida e são assim os acontecimentos, tudo se encadeando em harmonia.
No trigal verdejante a derramar-se pelas encostas e planície, sorriam coloridas as papoulas amarelas, vermelhas, as tulipas silvestres, enquanto os líquenes ressecavam-se ao Sol dardejante.
A moldura da tela, na qual Jesus desenharia o poema de amor, estava pronta e o Artista começava a executar a Sua obra...
Sensibilizados, os samaritanos vieram pedir-Lhe para que ficasse um pouco com eles, após ouvirem a mulher testemunhar a Seu favor.
Compadecido, o Mestre aquiesceu, ali ficando por dois dias, que passaram céleres.
A alegria, o bem-estar passam rápidos, em outra dimensão do tempo.
À sombra do arvoredo falou-lhes do Reino de Deus e os enriqueceu de esperanças, confortando-os e amparando os combalidos, que receberam cargas novas de energia vitalizadora.
Sob o céu recamado de estrelas lucilantes, explicou-lhes o significado da vida terrestre, esclarecendo-os quanto às necessidades da evolução e da transitoriedade do corpo carnal.
Sua voz aquietou-os e mesmo as criancinhas buscaram-Lhe o regaço, nEle se refugiando. Ele, porém, não ficou apenas nas palavras. Era necessário agir, para que todos vissem e cressem no Seu poder. E assim o fez.
Ao terceiro dia, quando se dispôs a prosseguir na marcha, estava cercado de carinho e amor.
Enfermos, que se recuperaram; loucos, recém-saídos da furna da perturbação; leprosos, que ficaram limpos, e endemoninhados, que recobraram a sanidade mental agradeceram-Lhe o obséquio da estada entre eles, asseverando que jamais O esqueceriam.
As ansiedades iniciais estavam substituídas pela paz interior.
Como a memória no mundo físico é de limitado prazo, certamente O olvidariam...
Mas, à mulher abençoada pela Sua revelação, a uma só voz os patrícios afirmaram:
— Já não é por causa das luas palavras, que acreditamos; nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo.
Os campos gargalhavam tons verdes e rubros à luz do Sol nascente.
Amanhecia, e as nuvens escuras adornavam-se de ouro...
A estrada escarpada e áspera serpenteava e perdia-se nas dobras dos montes altaneiros.
Ele e os amigos teriam que seguir adiante, a Jerusalém...


Por: Amélia Rodrigues, Médium: Divaldo Pereira Franco


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